Carolina Bianchini Rodrigues Corrêa; Ligia Calandro Mendes; Luciana Kool Modesto Sarra; Patrícia Maria Tierno Fuin; Vivian Cristianini.
A adolescência, saída da infância e a preparação para a vida adulta, é uma fase bastante importante para o desenvolvimento humano e certamente a menos compreendida de todas. O cérebro está passando por um período crítico de amadurecimento do córtex pré-frontal, área responsável pela tomada de decisões e associadas ao controle de comportamentos impulsivos.
Os estudos da Neurociência sugerem que, no início da adolescência, aos 11/12 anos de idade, há perda de um terço dos receptores de dopamina; ocorre uma grande diminuição de sinapses; há diminuição da massa cinzenta do cérebro; o corpo está amadurecendo, mas o cérebro ainda não reconhece essa mudança, então há uma dificuldade relacionada à noção espacial; a produção de melatonina – hormônio produzido na ausência de luz, relacionado ao sono – começa e termina mais tarde; e se intensifica o amadurecimento do córtex pré-frontal, região responsável pelo julgamento e tomada de decisões, e o desenvolvimento das funções executivas. No presente artigo, refletiremos sobre o como essas descobertas estão relacionadas ao que observamos nos comportamentos do adolescente e de que maneira é possível atuar para garantir uma vivência de qualidade desse período.
A perda dos receptores de dopamina está diretamente relacionada ao tédio. Os neurotransmissores do circuito dopaminérgico atuam principalmente no sistema de recompensa, conjunto de estruturas no cérebro responsáveis por gerar sensação de prazer e bem-estar frente a comportamentos que se mostram úteis ou interessantes. Para compensar a falta de receptores, o cérebro necessita de recompensas, o que pode levar o adolescente a comportamentos de risco, como o uso de drogas, sexo, álcool. Sobre isso, Cosenza e Guerra (2011, p. 81) afirmam:
A droga ativa o sistema de recompensa e leva o indivíduo a repetir o comportamento que desencadeou aquela sensação, ainda que ele não tenha qualquer ligação com as necessidades vitais do organismo. Os adolescentes, cujo cérebro está passando por grandes transformações, costumam ser particularmente vulneráveis à ação das drogas.
Essa alteração biológica também explica o interesse pelo sexo, já que o sistema de recompensa se torna sensível aos hormônios que promovem o prazer sexual. O que tem seu lado positivo, pois a procura pelo prazer move o adolescente a descobrir coisas novas e a buscar independência.
Outro fator a se considerar é o grupo em que esse adolescente está inserido. Em busca de aprovação e autoafirmação, pode tomar atitudes para impressionar os colegas, agindo de forma imprudente e impulsiva.
É possível direcionar os interesses do adolescente com o objetivo de compensar essa perda de receptores, incentivando hábitos que estimulam a produção de dopamina, como praticar atividade física e aprender a tocar instrumentos musicais. Esse é o momento de identificar interesses, encontrar afinidades e investir nos talentos emergentes.
Publicado por Loiola (2014), em entrevista ao site da VEJA, o psiquiatra americano Daniel Siegel comenta sobre as experiências e reflexões que os adultos podem oferecer aos adolescentes que se encontram nessa fase:
Que tipos de experiências seriam essas? Uma delas, e a mais importante, é a que promove a vontade de refletir sobre valores, em vez de seguir proibições. Um ótimo exemplo são as campanhas americanas contra o fumo na adolescência. Enquanto elas mostravam imagens de corpos degradados ou davam informações médicas com o objetivo de amedrontar os jovens, o número de viciados apenas cresceu. A situação só mudou quando […] Em vez de focar no medo, algo negativo, a campanha centrou esforços no valor positivo de ser forte […]. Essa é a diferença entre estimular um impulso e promover uma reflexão sobre valores. E isso ajuda também a promover importantes ligações cerebrais, que vão definir o cérebro adulto.
A produção de melatonina e de cortisol podem explicar o mau humor e a indisposição nas primeiras horas da manhã, na escola. Nessa fase, a produção de melatonina começa à meia-noite e termina às oito horas. Quando a produção de melatonina é interrompida de forma não natural, o corpo passa a liberar cortisol, o hormônio do estresse. Como tradicionalmente a entrada na escola costuma ser às sete, a consequência de interromper os processos do sono pode ser um comportamento negativo.
Há ainda as distrações tecnológicas: computadores, videogames, televisão, comuns nessa faixa etária, que adiam muito a hora de ir para cama e interferem nas ao menos 8,5 a 9,5 horas de sono diárias recomendadas por entidades como a Academia de Pediatria (AAP). A falta de sono reflete no desempenho escolar.
Segundo Cosenza e Guerra (2011), nessa fase da vida ocorre um processo acelerado de eliminação de sinapses em diferentes regiões do córtex cerebral. Entre a perda e o refinamento de sinapses, a massa total do cérebro permanece relativamente a mesma, mas o funcionamento vai se aprimorando graças às mudanças estruturais e químicas. O corte de sinapses pode avançar até os 30 anos, período em que acredita-se que o amadurecimento termina, e o aumento da massa branca, até os 40.
A última região do cérebro a amadurecer é o córtex pré-frontal, onde se processam comportamentos relacionados à maturidade, como capacidade de julgamento, planejamento, concentração, inibição de impulsos e empatia. É nessa região onde estão as funções executivas, processos mentais que nos permitem planejar, concentrar a atenção, avaliar um comportamento, lembrar de instruções e tomar decisões.
Na adolescência, o indivíduo começa a olhar o mundo de forma mais profunda, mas o lado emocional ainda não está totalmente amadurecido, o que pode gerar sensação de angústia.
De acordo com Carbonário (2018):
[…] no sistema límbico ocorrerão grandes transformações, principalmente em termos emocionais, causados pela produção de neurotransmissores que, em desequilíbrio, pode alterar o humor. […] As mudanças comportamentais peculiares observadas nos adolescentes decorrem de transformações intensas que acontecem em diversas regiões cerebrais. Sendo assim, podemos perceber que, devido a fatores culturais e hormonais e à falta de maturação cerebral, os adolescentes apresentam reações às situações estressoras às quais estão sujeitos nesse período.
A ação educativa dos adultos deve orientar o desenvolvimento com intencionalidade. É preciso compreender todas essas transformações radicais em curso no cérebro durante a adolescência, para evitar os estereótipos negativos associados a eles.
A qualidade do ambiente é bastante importante para o desenvolvimento do cérebro. Os conteúdos abordados na escola, por exemplo, devem propiciar esforços, envolver a criticidade, desenvolver estratégias para resoluções de problemas, precisam ser colaborativos, estarem em consonância com a vida real, trabalhar com as emoções, propiciar a escuta e a escolha e assim agir de acordo com o desenvolvimento das características da faixa etária para que haja acolhimento e consequentemente aprendizagem.
Referências
__________. Academia Americana de Pediatria (AAP). Dados sobre saúde do adolescente e Saúde escolar. Disponível em: <https://pediatrics.aappublications.org/content/134/3/642>. Acesso em: 18 maio 2019.
CARBONARIO, Felipe Augusto. Neurociência do abuso de drogas na adolescência. Mental, Barbacena , v. 12, n. 22, p. 114-117, jun. 2018 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272018000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 maio 2019.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.
LOIOLA, R. O cérebro adolescente. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/o-cerebro-adolescente/>. Acesso em: 19 maio 2019.
NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO no 11. Segmento. São Paulo, 2017.