Neurociência e Criatividade na educação
Esse é um artigo que escrevi para a revista Faber Castell. Além da leitura aqui pelo blog, você pode conferir esse artigo (página 12), além de outros muitos bacanas, no link da revista digital.
https://www.educacao.faber-castell.com.br/wp-content/uploads/2019/09/FaberCastell2019.pdf#page=12
A relação entre a neurociência e a criatividade é indiscutível e o papel de ambas no cotidiano escolar torna-se cada vez mais presente. No entanto, mesmo sendo o diálogo entre essas áreas praticamente inseparável, é preciso cautela ao se falar sobre esses assuntos.
Primeiro ponto a destacar é que a neurociência não vem para dar fórmulas mágicas para a educação. A grande contribuição dessa área relaciona-se ao olhar que o profissional da educação passa a ter quando entende os processos que estão relacionados a aprendizagem e então passa a refletir sobre as suas práticas repensando estratégias, agindo e repensando novamente e isso não só requer criatividade como também o estímulo a ela durante as aulas.
Segundo ponto: a criatividade ainda não é muito bem entendida a partir de uma perspectiva neurocientífica. Uma teoria que cresce em destaque é que a criatividade envolve a conexão de diferentes áreas cerebrais e não há uma região específica que seja responsável por essa habilidade e que a máxima de que algumas pessoas nascem criativas e outras não ainda é muito discutida. Aliás, a criatividade é hereditária até certo ponto, já que vários estudos apontam que ela pode ser fomentada por meio de estímulos adequados e a escola é o lugar ideal para isso.
Nesse contexto, é razoavelmente indiscutível a necessidade da criatividade em nosso meio, e uma questão fica em aberto: como a escola e os professores podem ajudar as crianças a desenvolver essas habilidades criativas?
Como supracitado, não há fórmulas, mas os estudos indicam que os estímulos intencionais podem colaborar significativamente para o aumento da criatividade e que o olhar do professor para esse processo faz toda a diferença.
Pesquisa recente tem investigado as crenças de criatividade dos professores e as implicações para a prática em sala de aula.
Sim. O quanto a criatividade é implementada na educação é altamente dependente das crenças dos professores sobre isso. Essas crenças foram extensivamente investigadas nos últimos 25 anos; os primeiros estudos descobriram que, embora os professores apreciassem a criatividade, suas crenças estavam frequentemente desalinhadas com as evidências científicas. Equívocos comuns incluíam a ideia de que a criatividade está apenas preocupada com a originalidade, que é um talento inato que não pode ser nutrido e que se relaciona principalmente com artes e humanidades. A pesquisa sugeriu que essas concepções errôneas provavelmente serviriam como barreiras para estimular a criatividade na sala de aula. O que isso significa? Em linhas gerais, que mesmo a escola tendo propostas bacanas de estímulo a criatividade, o olhar do professor na condução desse estímulo é o fator crucial.
Outro dado dessa pesquisa, é que os professores ainda têm dificuldade em reconhecer os alunos criativos em sala de aula e, em geral, são influenciados positivamente por alunos com altas habilidades intelectuais e bom comportamento, o que pode interferir drasticamente no potencial criativo dos estudantes em sala de aula.
Por outro lado, revela-se que os professores estão cada vez mais cientes de várias estratégias que promovem a criatividade dos alunos, embora alguns aspectos tenham sido negligenciados e outros enfatizados demais. Ensinar pensamento divergente e proporcionar oportunidades de aprendizagem ativa foram vistas como estratégias de fomento à criatividade. Vale destacar que é percetível aos professores várias barreiras e poucos facilitadores para promover a criatividade na sala de aula. Falta de tempo, currículo sobrecarregado, falta de treinamento, testes padronizados e dificuldades na avaliação da criatividade são as barreiras mais citadas na literatura recente, por isso uma boa discussão sobre esse assunto é um excelente ponto de partida para alinhar esses pontos. Isso porque, se a crença do professor sobre a criatividade é um limitador para o potencial criativo, professores com crenças positivas e considerável conhecimento sobre o assunto que não tenham líderes escolares que acreditem que a criatividade pode ser estimulada e que isso está longe de ser papel somente da aula de Arte, é o que limitará a escola de ser um importante espaço de transformação social, visto que para isso também requer-se criatividade. Em resumo: é preciso que seja uma via de mão dupla. Assim, formadores de professores e de políticas educacionais podem fazer muito para ajudar os professores a desenvolver crenças de criatividade alinhadas com a pesquisa e implementar práticas de fomento à criatividade. Não obstante, a criatividade é parte das competências socioemocionais, propostas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essas características propõem o desenvolvimento do aluno como um cidadão completo, emocionalmente preparado para ter sucesso tanto nas relações pessoais quanto, no futuro, nas habilidades profissionais. Para as escolas, valem algumas dicas, como estabelecer a criatividade como uma importante meta de aprendizado no currículo; investir no desenvolvimento e aquisição de recursos e materiais que os professores possam usar para promover e avaliar a criatividade; criar oportunidades para os professores desenvolverem e compartilharem as melhores práticas na promoção e avaliação da criatividade em todo o currículo; oferecer treinamento em criatividade de modo que enfatize-se como conceituar, reconhecer, ensinar explicitamente e avaliar a criatividade; além, é claro, de se discutir as crenças dos professores sobre criatividade. E para os professores: estimule a flexibilidade cognitiva dos alunos (pensar fora da caixa); desafie-os a se aprofundarem nos assuntos; peça que pensem além de sua resposta inicial, que tragam mais de uma possível solução para uma situação problema; desenvolva uma cultura de exploração e entenda e faça com que os alunos entendam que os erros são o portal para a descoberta; evite perguntas nas quais os alunos obtêm as respostas, facilmente, na internet, por exemplo e sempre que possível troque o “o que” por “como”; construa espaços criativos e não tenha dúvidas de que o ambiente é importante. Aliás há estudos que demostram que em pequenos mamíferos há mais vias neurais quando as gaiolas contêm mais objetos para brincar. Por fim, questione-se professor: o que você está fazendo em sua sala de aula para envolver e inspirar? E lembre-se que se você acredita verdadeiramente no poder de transformação da educação, entrar em sala de aula é um ato de bravura e criatividade diária, portanto, você é perito nisso.
Notas finais: Para aumentar o impacto da neurociência na política de educação em criatividade, é necessário comunicar os achados cerebrais de maneira compreensível em todos os níveis de interessados e educar o público em geral. É necessário que os formadores de professores e de políticas educacionais identifiquem um plano sistemático de avaliação para avaliar a eficácia curricular de programas de criatividade culturalmente diferentes e que entendam que não cabe apenas a Arte ser a disciplina responsável pela criatividade na escola, mas que o seu papel é imprescindível, o que refuta qualquer ideia em se negligenciar essa disciplina das grades curriculares. Por fim, é preciso que haja diálogo entre ciência e educação, de forma que os educadores possam colaborar com pesquisadores educacionais e neurocientistas, a fim de se criar um banco de dados que apoia a educação baseada em evidências em criatividade.
Referência:
Bereczki, E. O., & Kárpáti, A. (2018). Teachers’ beliefs about creativity and its nurture: a systematic review of recent research literature, Educational Research Review, 28, 25-56.
Hadzigeogiou, Y., Fokilis, P.& Kabouropoulou, M. (2012). Thinking about Creativity in Science Education. Creative Education, 3, 5, 603-61.
Zhou, Kai (2018). What cognitive neuroscience tells us about creativity education: A literature review. Global Education Review, 5 (1), 20-34.